Capítulo II: A POSSE E O DOMÍNIO DA TERRA

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A ocupação do Brasil pelos portugueses legitimou a coroa lusitana a adquirir o título “legal” de posse sobre o território brasileiro. O Tratado de Tordesilhas - que teve como mediador o Papa Alexandre I -, firmado com a Espanha no ano de 1494, estabeleceu um meridiano que passava a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, sendo que as terras localizadas a leste desse meridiano seriam terras pertencentes a Portugal, e as que ficassem a oeste seriam terras pertencentes à Espanha.
 
No ano de 1530, quando Portugal atravessava uma complicada situação financeira, Martim Afonso de Souza iniciou a colonização das terras brasileiras, uma tarefa difícil para uma metrópole na iminência de falir.
 
Diante de tal situação o rei de Portugal D. João III, resolveu dividir o Brasil em 15 lotes de terras que iam do litoral até o limite estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, e distribui-los com a fidalguia portuguesa.
 
Essas porções de terras foram chamadas de Capitanias Hereditárias, e os beneficiários foram chamados de donatários de capitanias, as quais tinham o privilégio de passar de pais para filhos como herança. Tais donatários eram 12 (porque alguns receberam mais de uma capitania), e as capitanias eram as seguintes:
   
01- Capitania do Maranhão (I)
 
02- Capitania do Maranhão (II)
 
03- Capitania do Ceará
 
04- Capitania do Rio Grande
 
05- Capitania de Itamaracá
 
06- Capitania de Pernambuco
 
07- Capitania da Bahia de Todos os Santos
 
08- Capitania de Ilhéus
 
09- Capitania de Porto Seguro
 
10- Capitania do Espírito Santo
 
11- Capitania de São Tomé
 
12- Capitania de São Vicente (I)
 
13- Capitania de Santo Amaro
 
14- Capitania de São Vicente (II)
 
15- Capitania de Santana.
  
Somente os nobres portugueses foram beneficiados com as doações das terras; não eram donos das capitanias, pois o senhorio das mesmas continuava com a coroa lusitana; podiam apenas explorá-las e tinham direitos e deveres a cumprir, como por exemplo:
 
Os direitos: cobrar impostos dos colonos; doar terras (sesmarias, equivalentes a 3.000 braças ou 6.600 metros) a quem lhes aprouvesse, contanto que o beneficiário fosse católico romano; escravizar índios para o trabalho na lavoura e exercer a justiça estabelecida pelo rei.
 
Os deveres: defender, colonizar e promover o progresso das capitanias por sua própria conta e pagar impostos a Portugal.
 
A não utilização das terras recebidas pelos donatários significava a devolução à coroa portuguesa; eram as chamadas terras devolutas.
 
No ano de 1531, em Évora, D. João III expede os forais de direitos das capitanias, sendo beneficiado com a capitania do Ceará o fidalgo Antonio Cardoso de Barros. O atual Estado do Ceará tem em seu território partes das outroras Capitanias do Maranhão e do Rio Grande, concedidas a Fernão Álvares de Andrade e João de Barros, respectivamente, que nos limites de hoje obedecem mais ou menos a seguinte ordem:
 
1º Lote - Concedido a João de Barros e Aires da Cunha, de 100 léguas costeiras, tinha início na Ilha da Traição no Rio Grande, e terminava na Angra dos Negros em terras cearenses. Nos limites de hoje abrange as terras que vão de Icapuí até Paracuru.
 
2º Lote – Propriamente chamado de Capitania do Ceará, doado a Antonio Cardoso de Barros, correspondente a 40 léguas costeiras, partido da Angra dos Negros e terminando no rio da Cruz. Nos limites atuais corresponde à costa entre Paracuru e Camucim.
 
3º Lote - Concedido a Fernão Álvares de Andrade, com início no rio da Cruz, indo até o Maranhão, com uma extensão de 75 léguas costeiras. Nos limites de hoje corresponde à costa que vai de Camucim até o município de Chaval, na foz do rio das Almas ou Timonha, na divisa com o Estado do Piauí.
 
Vale lembrar que o Estado do Piauí possuía uma estreitíssima faixa da costa atlântica e só conseguiu ampliar as terras que hoje correspondem ao seu litoral - 66 km - a partir do ano de 1880, mediante permuta feita com o Estado do Ceará. A troca foi feita nos termos do Decreto nº 3.012 de 22 de outubro do dito ano, cujo teor é o seguinte:
 
Art. 1º - É anexado à Província do Ceará o território de Príncipe Imperial, da Província do Piauí, servindo de linha divisória das duas Províncias a Serra Grande ou da Ibiapaba, sem outra interrupção além da do rio Poti, no Porto do Boqueirão e pertencendo à Província do Piauí todas as vertentes ocidentais da mesma serra, e à do Ceará as orientais.
 
Art. 2º - Fica pertencendo a Província do Piauí à freguesia de Amarração com os limites que estabeleceu a Lei Provincial do Ceará nº 1.360 de 5 de novembro de 1870, a saber: da Barra do rio Timonha, rio de São João da Praia Acima, até a barra do riacho que segue para Santa Rosa, e daí em rumo direito a Serra da Santa Rita, até o pico da serra Cocal, terreno do Piauí.
 
O Piauí, ao contrário dos demais estados do Nordeste, iniciou sua colonização pelo interior, e teve que adquirir do Ceará a porção litorânea que lhe permitisse a construção de um porto. Antes dessa troca, a Capitania do Ceará se estendia até a foz do rio Portinho, cerca de 40 km adiante da atual fronteira. É mister lembrar que a linha divisória entre as duas Províncias ( Ceará e Piauí ) não ficou bem definida, motivando um litígio fronteiriço que dura até os nossos dias.
 
Não havia, no entanto, uma dimensão estabelecida no aprofundamento sertanejo, isto é, o limite estabelecido rumo ao interior da capitania, seria até onde desse o braço do conquistador. Poucos ousavam se distanciar da rota praiana, e somente os silvícolas tinham o domínio do interior.
 
Esse sistema de capitanias hereditárias (depois as sesmarias) prevaleceu desde os primórdios da ocupação do Brasil pelos lusitanos até sua independência em 1822. Desta data até 1850 reinou a Lei da posse, ou seja, a ausência de uma lei agrária específica possibilitava uma ocupação intensa do território brasileiro sem qualquer fundamentação legal, isto é, uma ocupação desordenada.
 
Foi criada, então, a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, considerada a primeira lei de terras brasileiras. Mencionada lei visava discriminar as terras possuídas pelo Império das terras pertencentes a particulares.
 
Como o poder imperial não se fazia presente em todo o território brasileiro através dos seus representantes notariais, o governo de D. Pedro II apelou para o poder da Igreja Católica Romana, aliada legal do Império brasileiro pelas cláusulas do ³padroado e do ⁴beneplácito, estabelecidas na Constituição de 1824, visto que a Igreja Católica Romana já se encontrava estabelecida nos rincões mais inóspitos do vasto império.
 
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³ O padroado estabelecia que o imperador tinha o direito de indicar nomes para os cargos eclesiásticos mais importantes e os vencimentos dos ministros religiosos seriam pagos pelo Estado. O padroado possibilitou a simonia dentro da Igreja Católica Romana, ou seja, a venda ilícita de coisas sagradas, como cargos e benefícios eclesiásticos.
 
⁴ beneplácito determinava que todos os atos e bulas da Santa Sé só poderiam ser executados no Brasil depois de examinados e aprovados pelo imperador.
  
Por força da dita lei, os proprietários ou posseiros - qualquer que fosse o título da ocupação - tinham um prazo de dois anos para registrar suas terras no chamado registro do vigário, legalizando a posse de todas as terras que fossem lançadas nos livros da Igreja Católica Romana. O registro era feito na paróquia em cuja circunscrição se localizasse o imóvel.
 
A lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 só foi regulamentada pelo Decreto Imperial nº 1.318 de 30 de janeiro de 1854, quando foi realmente colocada em prática. Dentre seus inúmeros artigos destacamos os seguintes:
  
Dom Pedro II, por Graça de Deus e Unânime aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos Súditos, que a Assembléia Geral Decretou, e nós Queremos a lei seguinte:
 
Art. 91. Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o título de sua propriedade, ou possessão, são obrigados a fazer registrar as terras que possuírem, dentro dos prazos marcados (...).
 
Art. 92. Os prazos serão 1º, 2º e 3º. O 1º dois anos, o 2º de um ano, e o 3º de seis meses (...).
 
Art. 97. Os vigários de cada uma das freguesias do Império são os encarregados de receber as declarações para o registro das terras, e os incumbidos de proceder a esse registro dentro de suas freguesias, fazendo-o por si, ou por escreventes, que poderão nomear, e ter sob sua responsabilidade (...).
 
Art. 99. Estas instruções serão dadas nas mis¬sas conventuais, publicadas por todos os meios que parecerem necessários para o conhecimento dos fregueses (...).
 
Art. 103. Os vigários terão livros de registro por eles abertos, numerados, rubricados e encerrados. Nesses livros lançarão por si, ou por seus escreventes, textualmente, as declarações que lhes forem apresentadas, e por esse registro cobrarão do declarante o emolumento correspondente ao número de letras, que contiver um exemplar, a razão de dois reis por letra (...).
 
Vale lembrar que já naquele tempo se exigia como requisitos legais para o título de posseiro de terras devolutas que a dita terra ocupada fosse cultiva¬da e tivesse moradia habitual. Essas condições caracterizavam a posse mansa, pacífica e ininterrupta e garantiam o direito possessório.
 
Foram nestas circunstâncias que, nos idos de 1854 o Capitão Português João Batista Leal adquiriu “legalmente” a posse das terras do então sítio Chapadinha do Barrocão, pertencente à freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Viçosa do Ceará.
 
Tal sítio postava-se no meio do caminho entre os núcleos populacionais mais importantes da Ibiapaba: as vilas de Viçosa e Ibiapina, antigos redutos da grande nação tabajara, sendo, portanto, passagem obrigatória de quem trafegava entre as duas povoações.
 
O trajeto primitivo entre Viçosa e Ibiapina era feito via Boqueirão, onde dezenas de trilhas cruzavam a garganta onde hoje se localizam as Vilas de Oiticicas, Quatiguaba e adjacências. A atual estrada Tianguá-Viçosa ( que corta o carrasco ibiapabano ) só foi inaugurada em 1948.
  
Edgar Fontenele (historiador) diz que João Batista Leal via sempre, ao passar por Barrocão, terras férteis com grandes baixios, terras devolutas e sem culturas. Idealizou abandonar o emprego e apossá-las em criação de gado
  
O Capitão João Batista Leal residia em Viçosa do Ceará, onde ocupou os cargos públicos de Vereador, Presidente da Câmara Municipal, Juiz de Paz, Membro da Junta Revisora Eleitoral, Suplente de Juiz Municipal e Fiscal ( de terras ) da Câmara no lu¬gar Frecheiras.
 
Com o falecimento de dona Isabel Francisca de Jesus, esposa do Capitão João Batista Leal, os seus bens foram inventariados, e o então sítio Barrocão foi partilhado entre seus herdeiros e sucessores, ficando cada beneficiário com o seu quinhão hereditário. Foi essa a primeira divisão das terras do sítio Barrocão, sendo contemplados os seguintes herdeiros:
 
- Joaquim Batista Leal e sua esposa Cândida de Tal.
 
- Manoel Batista Leal e sua esposa Rosa Maria de Jesus
 
- Francisco Batista Leal e sua esposa Gonçala Maria de Jesus
 
- Bonifácio Batista Leal.
 
Os herdeiros do sítio Barrocão aos poucos foram se desfazendo de seus quinhões hereditários, sendo que dois deles sequer vieram morar nas terras herda¬das; preferiram vendê-las. Vejamos:
 
- Joaquim Batista Leal e sua esposa venderam seu quinhão ao Sr. Manoel Nogueira da Costa que, por sua vez, vendeu parte das terras adquiridas ao Sr. Francisco Ferreira Lima.
 
- Bonifácio Batista Leal vendeu seu quinhão ao Sr. Francisco Batista Leal que, por sua vez, vendeu parte das terras adquiridas ao Cel. Manoel Francisco de Aguiar.
 
- Manoel Batista Leal veio morar nas terras herdadas, mas anos depois ven¬deu parte delas ao Cel. Manoel Francisco de Aguiar.
 
- Francisco Batista Leal também veio morar no sítio Barrocão, mas depois de algum tempo vendeu parte das terras ao Cel. Manoel Francisco de Aguiar.
 
Lembramos que as terras localizadas a leste do sítio Barrocão foram denominadas de sítio TIANGUÁ ou TIANGUAZINHO, e as terras localizadas a oeste foram chamadas de sítio LIMÃOZINHO, cujo limite atual é a Rua Cap. Joaquim Lourenço, antiga Rua Viçosa.
 
E segundo matéria do jornal O Barrocão (1988, p. 6), nos primórdios de nossa formação eclesiástica tudo se cingia a uma capela de taipa coberta de palhas, edificada em veneração a Santana, numa baixada onde hoje se situa o sítio Limãozinho.
 
O Cel. Manoel Francisco de Aguiar também adquiriu parte das terras do sítio Tianguá ou Tianguazinho, por compra feita a Manoel Batista Leal e sua mulher, a Francisco Batista Leal e sua mulher, a Alexandre Cipriano de Aguiar e sua mulher e a Tito Aleluia, num total de 252 braços, ou 554 metros.
 
Com o falecimento de sua esposa dona Lourença Gomes de Aguiar - em 1920 -, as terras do sítio Tianguá ou Tianguazinho foram partilhadas entre seus herdeiros:
 
100 braças ao meeiro Cel. Manoel Francisco de Aguiar
 
19 braças ao herdeiro Pe. Dr. Agesilau de Aguiar
 
17 braças ao herdeiro Odilon Aguiar
 
17 braças ao herdeiro Achiles de Aguiar
 
17 braças à herdeira Eliza de Aguiar
 
65 braças à herdeira Virgínia de Aguiar
 
4 braças ao herdeiro Manoel Alcides de Aguiar
 
4 braças à herdeira Maria Amália de Aguiar
 
4 braças à herdeira Lourença de Aguiar ¬
 
5 braças à herdeira Francinete de Aguiar
 
Mais tarde, com o falecimento do Cel. Manoel Francisco de Aguiar em 1925, as 100 braças que lhe pertenciam, foram assim divididas:
 
25 braças ao herdeiro Odilon Aguiar
 
20 braças ao herdeiro Artichillino de Aguiar
 
25 braças à herdeira Eliza de Aguiar
 
5 braças ao herdeiro Manoe1 A1cides de Aguiar
 
5 braças ao herdeiro Messias Licurgo de Aguiar
 
5 braças à herdeira Maria Amália de Aguiar
 
5 braças à herdeira Lourença de Aguiar
 
5 braças à herdeira Francinete de Aguiar
 
5 braças à herdeira Elon de Aguiar
 
As posses dos sítios adjacentes - na grande maioria - deram-se anteriormente a ocupação do Sítio Barrocão pelo Capitão João Batista Leal, mas todas foram legalizadas através da Lei nº 601 de 1850/1854. Vejamos abaixo:
 
- SÍTIO ALTO BONITO (I) - Localizado no quarteirão Lages, foi apossado no ano de 1825 pelo Sr. Antonio de Carvalho; é o sítio mais oriental (em cima da Serra) do município de Tianguá. Foi registrado na Igreja Matriz de Viçosa do Ceará no ano de 1856 pelo Padre Beviláqua, e teve como intermediário o senhor Manoel Batista Leal.
 
- SÍTIO CAJUEIRO - Apossado no ano de 1845, porém em 1918 foi vendido ao Cel. Raimundo Rodrigues Lima. Existe nesse sítio um casarão construído em 1880 pelo Major João Francisco de Souza, sendo esse, portanto, o patrimônio arquitetônico mais antigo de Tianguá.
 
- SÍTIO JAGUARAPINIMA - Na linguagem indígena significa: Onça (Jaguar) Pintada (Pinima). Foi registrado na Igreja Matriz de Viçosa no ano de 1855, pelo Senador Francisco de Paula Pessoa, sendo esse mais conhecido, no áureo período da “civilização do couro” como o Senador dos Bois, seus herdeiros venderam esse sítio ao Coronel Raimundo Rodrigues Lima, mais precisamente em 1918.
 
- SÍTIO CAUIPE - Localizado no quarteirão Olho D' água; apesar de ter sido registrado na Igreja Matriz de Viçosa no ano de 1854, por Antonio Teixeira Lima, sua posse, porém, data de 1853, por Francisco Pereira da Silva.
 
- SÍTIO GENIPAPO - Localizado no quarteirão Acarape e registrado na Igreja Matriz de Viçosa no ano de 1854 por João Pereira da Silva, tendo como intermediário o Capitão João Batista Leal. Apesar do registro datado no ano acima citado, sua posse já havia acontecido em 1828 pelo seu proprietário.
 
- SÍTIO ALTO BONITO (II) - Localizado no quarteirão Olho D’água, sendo também registra¬do na Igreja Matriz de Viçosa em 1854, por João Manoel Pereira, tendo como intermediário o Capitão João Batista Leal. Sua posse data do ano de 1837, pelo próprio João Manoel Pereira.
 
- SÍTIO QUATIGUABA - Localizado no quarteirão Quatiguaba; foi registrado na Igreja Matriz de Viçosa no ano de 1855 por Ignácio de Araújo Lopes. ¬
 
- SÍTIO ITAGUARUNA – Que na língua indígena significa: A ponta da pedra (Itaquá) Negra (Una), localizado no quarteirão Itaguaruna, registrado na Igreja Matriz de Viçosa no ano de 1856 pelos Senhores Custódio Coelho Moita e Manoel Coelho Moita. Anteriormente pertenceu a Benedito Torres Pacheco, que o vendeu a Gonçalo Machado da Rocha e sua mulher, sendo posteriormente adquirido por Custódio e Manoel Coelho Moita, num contrato percentual de cinqüenta por cento para cada um. O sítio Itaguaruna tinha na época ao sul, exatas 1.620 braças.
 
- SÍTIO CROATÁ - Teve como primitivos proprietários Caetano Gomes de Souza e Maria do Carmo de Jesus. Foi adquirido - através de Inventário que tramitou pela Comarca de Viçosa - pelo Major João Francisco de Souza no ano de 1887. O Sítio Croatá tinha na época, exatas 1.223 braças, que se estendiam do Sítio Igarassu-Pitanga até o Sítio Taboca.
 
- SÍTIO PARAÍBA - Foi primitivamente apossado por José Ferreira Lima e registrado posteriormente, em 1857 na Igreja Matriz de Viçosa. Foi nesse sítio que em 27 de julho de 1856, nasceu Raymundo Frederico Kiappe da Costa Rubim ( Almirante Rubim ).
 
- SÍTIO FRECHEIRAS - Localizado no Sertão, ao sopé da Serra da Ibiapaba, cujo acesso se dá pela ladeira do Jaguarapinima. Foi concedido por título de sesmaria ao Sargento-Mor Manoel Dias de Carvalho no ano de 1736, pelo Capitão-Mor e governador da Província do Ceará-Grande e da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, Domingos Simões Jordão. Abrangendo a Lagoa das Quintas.
 
As terras correspondentes à maioria dos sítios citados, as quais localizam-se na chamada Zona Úmida da Serra da Ibiapaba, vêm sendo fracionadas desde os tempos mais remotos, e hoje a região é constituída por pequenas propriedades. Segundo dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - do ano de 2002, o município de Tianguá conta com 1.153 pequenas e médias propriedades.
  
O PATRIMÔNIO DE SENHORA SANTANA
  
O Capitão português João Batista Leal, na qualidade de devoto e, sobretudo, de fabriqueiro de Senhora Santana, incumbiu-se em adquirir terras e outros bens para constituir o patrimônio da mesma. Era de praxe naquela época, talvez como resquícios do comércio de indulgências plenárias, fazendeiros e sitiantes fazerem doações de terras aos santos de suas devoções.
 
O interessante é que segundo comentários de um professor das Ciências Sociais da Universidade Estadual Vale do Acaraú, além desta devoção, quem sabe, João Batista Leal fosse mesmo, um boiadeiro por convicção, pois, de acordo com a tradição católica, Sant’Ana é a escolhida como padroeira dos vaqueiros. E como já foi dito anteriormente, o posseiro desta gleba se encantou pelo ambiente propício à criação de gado.
  
A respeito dessa prática têm-se dados de que a primeira doação de terras feita ao patrimônio de Senhora Santana data de 1860, quando, Manoel Nogueira da Costa e sua esposa, dona Florência da Ressurreição Viana, doaram mais de 23$000 (vinte e três mil reis) das terras que haviam adquirido do herdeiro Joaquim Batista Leal no então sítio Chapadinha do Barrocão.
 
Prova disto, a escritura particular de doação feita em data de 1º de agosto 1860 no próprio sítio Barrocão; encontra-se registrada no Livro Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção de Viçosa do Ceará, do período de 1780 a 1883, às folhas de números 145 e 146, onde se lê na íntegra a seguir:
 
Registro de um papel de doação de uma posse de terra no lugar Chapadinha do Barrocão desta Freguesia, feita por Manoel Nogueira da Costa e sua mulher Dona Florência da Ressurreição Viana, a Nossa Senhora Santana que se costuma festejar naquele lugar. Dizemos nós abaixo assinados que entre os demais bens que possuímos de mansa e pacífica forma livre e desembaraçada, e bem assim de uma posse de terra de plantar e criar neste lugar Barrocão termo e Freguesia da Villa Viçosa, Comarca de Granja e Província do Ceará, cuja posse de terra nos houve por compra feita a Joaquim Batista Leal e sua mulher, Cândida de Tal, estas terras assim da mesma maneira que possuímos doamos de nossas livres e espontâneas vontades a gloriosa Senhora Santana, para servir de seu patrimônio, sendo ele administrado por pessoa idônea, marcada por lei no valor de vinte e três mil e tantos reis, e desde já nos desapropriamos da dita posse de terra, e transferimos todo o domínio ao procurador da dita Senhora, ficando salvo os direitos nacionais, e se por acaso essa nossa doação cair em omisso, fará então ela parte de nossos bens, e para que conste mandamos lavrar a presente que valerá por escritura pública atento a longitude em que nos achamos de Tabelião público, e por não saber escrever ao meu a rogo assinou Joaquim José da Costa, e por minha mulher o senhor Francisco Fernandes Batista, perante as testemunhas abaixo assinadas, Liberato Hortolano da Silva Carapeba e Manoel Gomes da Silva. Barrocão, lº de agosto de 1860.
 
Cumprindo os requisitos legais para a efetivação da doação, o Capitão João Batista Leal, já na Vila Viçosa, mandou fazer a escritura de aceitação, a qual teve firma reconhecida pelo Tabelião público João Febrônio Freire Bezerril, cujo teor é o seguinte:
 
Aceito a doação da posse da terra de que faz menção à escritura supra, feita por Manoel Nogueira da Costa e sua mulher, a Nossa Senhora Santana que se festeja no lugar Barrocão do termo de Vila Viçosa, visto que me acho autorizado para receber quaisquer doações ou esmolas que se fizer a mesma senhora, de que tudo para constar mandei fazer a presente escritura de aceitação que vai por mim assinada. Vila Viçosa, 02 de agosto de 1860. (assinado) Cap. João Batista Leal.
 
Essas mesmas terras, mais tarde, precisamente em 1917, foram o motivo da querela judicial entre o patrimônio de Senhora Santana - representado na época pelo Pe. Agesilau de Aguiar - e o Tenente-Coronel David de Souza Portela. Vejamos:
 
Feita a doação em 1860 mediante escritura particular, ocorreu que depois de alguns anos tal documento desapareceu, justamente quando o patrimônio de Senhora Santana era administrado pelo Padre João Crisóstomo.
 
Em 1894 o Cel. Manoel Francisco de Aguiar, na qualidade de fabriqueiro do dito patrimônio, impetrou ação judicial - de Justificação de fabriqueiro - com o objetivo de deixar provado através dos descendentes dos finados Manoel Nogueira da Costa e João Batista Leal, no caso o Capitão Bento Modesto Nogueira e Francisco Batista Leal, filhos dos falecidos, que aquelas terras de fato representavam as mesmas terras doadas a Senhora Santana no ano de 1860.
 
Restou provado judicialmente, inclusive com os depoimentos de Francisco Batista Leal - na época com 76 anos de idade - e Bento Modesto Nogueira, que realmente houve tal doação, fato que veio se consolidar sem qualquer dúvida, com a descoberta do registro da citada escritura particular no livro tombo da freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Viçosa do Ceará, que veio à tona vários anos depois, registro esse que não era do conhecimento do Cel. Manoel Francisco de Aguiar.
 
Já em 1917, alegando que a faixa de terra ocupada pelo Tenente-Coronel David de Souza Portela pertencia ao patrimônio de Senhora Santana, o então Padre Agesilau de Aguiar formulou junto ao Juiz de Direito da Comarca de Viçosa - a quem Tianguá estava ligada judicialmente - protesto contra a dita ocupação. Observe parte do petitório feito pelo dito pároco:
 
Diz o Padre Doutor Agesilau de Aguiar, párocho desta freguesia de Tianguá, e como tal administrador legal do patrimônio de Senhora Santana, que tendo o finado Manoel Nogueira da Costa e sua mulher, D. Florência da Ressurreição Viana, doado a padroeira desta freguesia para o patrimônio da mesma, vinte e três mil contos de reis de terras no Sítio Barrocão, no inventário feito após o falecimento da mulher do finado João Batista Leal, aconteceu que se extraviou algum ano depois a escritura de doação. E assim, achando-se essa faixa de terra indevidamente ocupada pelo Sr. David de Souza Portela, que dela se diz dono, mas sem dela ter documento, o peticionário, para salvaguardar os direitos da paróquia que administra, vem perante Vossa Excelência protestar contra essa ocupação ilegal e contra qualquer ato que venha ferir o direito desta paróquia. Tianguá-CE 10 de setembro de 1917. (a) Pe. Dr. Agesilau de Aguiar.
 
Por sua vez, o Tenente-Coronel David de Souza Portela, na qualidade de herdeiro do falecido Manoel Nogueira da Costa, visto que era casado com uma de suas filhas (vide capítulo da família), observando a condição consignada na escritura de doação, pela qual o imóvel voltaria ao senhorio dos doadores caso tal doação caísse em omisso, fato que provavelmente aconteceu, apossou-se da faixa de terra em questão como legítimo beneficiário.
 
O motivo dessa e de muitas outras pendengas judiciais deve-se à insuficiência de marcos definitivos nas demarcações das glebas que foram doadas ao patrimônio de Santana, visto que tais divisórios nem sempre eram claros e precisos, muitas vezes eram representados apenas por árvores, cuja vida útil pode ser precoce.
 
A segunda doação data de 12 de novembro de 1886, por ocasião da criação do Curato de Santana da Ibiapaba, feita mediante escritura pública coletiva lavrada às fls. 36/38 do Livro nº 09 do cartório de imóveis da Comarca de Viçosa, pelo então notário João Febrônio Freire Bezerril, quando o Cel. Manoel Francisco de Aguiar, Francisco Ferreira Lima, Francisco Batista Leal, Manoel Batista Leal e suas respectivas esposas doaram juntos ao patrimônio de Senhora Santana exatos 120$000 (cento e vinte mil reis) nas terras do então sítio Barrocão.
 
O Cel. Manoel Francisco de Aguiar doou 30$000 (trinta mil reis); Francisco Ferreira Lima doou 25$000 (vinte e cinco mil reis); Francisco Batista Leal doou 40$000 (quarenta mil reis) e Manoel Batista Leal doou 25$00 (vinte e cinco mil reis), totalizando 120$000 (cento e vinte mil reis) de terras. As extremas, como já falamos, nem sempre eram precisas.
 
Vale lembrar que consta na mencionada escritura que as moradias dos doadores fica¬ram isentas do pagamento anual de foros e laudêmios ao patrimônio de Senhora Santana.
 
A título de curiosidade, o Sr. Francisco Batista Leal morava na esquina das ruas Cons. João Lourenço com Mestre Zé Tito, onde hoje é a residência da Sra. Mimosa Teles.
 
A terceira e última doação foi feita pelo Cel. Manoel Francisco de Aguiar e sua esposa dona Lourença Gomes de Aguiar, em data de 27 de agosto de 1917, por ocasião da criação da paróquia de Santana em 1915. Nessa oportunidade se dignaram em doar 100$000 (cem mil reis) de terras, sendo dito imóvel contíguo às terras patrimoniais já existentes.
 
Foi no seio do sítio Chapadinha do Barrocão que se edificou a atual cidade de Tianguá, sendo que, grande parte do seu perímetro urbano é constituído pelas terras recebidas através de doações, as quais foram cedidas posteriormente aos moradores da cidade em caráter enfitêutico, mediante pagamento anual de foros, mas o senhorio das terras ainda hoje pertence ao patrimônio de Senhora Santana.

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